Ricardo Baldacci é entrevistado pelo site Informação Musical

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Ricardo Baldacci, cantor e guitarrista fala sobre os dois CDs lançados, a sua abordagem do swing-jazz, construção de guitarras artesanais, influências, relação com a família Pizzarelli e muito mais sobre a sua carreira musical.

Rodrigo Chenta- Você com dois álbuns lançados, já se tornou, basicamente, uma referência no estilo de Swing-Jazz no Brasil. Como surgiu o interesse neste tipo de música?
Ricardo Baldacci-
Em primeiro lugar, gostaria muito de agradecer pela atenção e interesse em me ceder este espaço. Quero desejar a todos um excelente 2016 também. A alcunha de referência de Swing-Jazz é algo que foi escrito a meu respeito por um expressivo jornal, mas eu vejo isso com poréns. Ser referência em algo que quase ninguém faz, numa terra em que quase ninguém sabe o que é isso, sendo quase o único a falar a respeito, não é tão importante quanto parece. Mesmo assim, colocar isto no press release pode chamar atenção. Curiosamente, esta frase parece ter uma relevância grande para a maioria das pessoas porque vez ou outra quando escrevem sobre mim, a expressão volta à tona. Acho que, sem querer, é um jeito como preferem resumir uma informação.
Meu interesse pelo Swing-Jazz surgiu na infância de modo inconsciente, creio. Minha mãe colocava alguns bons LPs na vitrola, quase sempre de canções. Eu sempre fui tocado por este formato.
No final da adolescência, depois de ter escutado muito blues e rock n’ roll, comecei a ouvir Wes Montgomery por causa da guitarra e vi nas lojas, que as gravações do Wes ficavam junto com os ‘discos da minha mãe’. Comprei alguns CDs: Etta James e Sarah Vaughan. Só depois fui ouvir com atenção Nat King Cole. Demorei um tempo para perceber que eu funcionava musicalmente como um cara de Swing Jazz, apenas posteriormente quando me eduquei claramente a respeito dos diferentes estilos de Jazz e entendi o quanto de cada um deles havia dentro de mim.

Rodrigo Chenta- Qual a importância de Nat King Cole, Frank Sinatra e John Pizzarelli em sua formação musical como cantor e guitarrista?
RB-
Sinatra pra mim, é como Balão Mágico ou Xuxa, para quem tem a minha idade hoje. Foi a música da minha infância. Eu absorvi aquilo como quem aprende a falar. Simplesmente aprendi. Quase sempre quando escuto Sinatra volto a ser moleque novamente. Nat King Cole, também estava no meio dos discos de criança, mas ouvi muito menos. Fui descobrir o Nat King Cole de verdade no final da adolescência quando comprei uma coletânea dupla do Trio com o Oscar Moore na guitarra e o Johnny Miller no baixo. Escutava repetidas vezes e durante um período não muito curto da minha vida, este disco foi a minha maior alegria, quiçá a única. Eu fiquei fascinado por tudo, mas em especial pelas letras, o jeito do Nat cantar e a guitarra do Oscar Moore. Quando estava na faculdade tentei montar um duo com uma amiga. Ela cantora, eu guitarrista. Precisava ensinar as melodias de algumas músicas para ela, então tinha que cantar. O que estava mais próximo da minha referência de cantor, era o NKC. Descobri desta maneira, aos poucos que poderia cantar. O NKC na fase do trio é o anti-Sinatra. Ele está querendo apenas dar sentido a letra e fazer com que a música soe bem, não estava querendo demonstrar suas grandes habilidades como cantor. Isto pareceu me servir muito bem as minhas características vocais e minha pouca experiência como cantor. O trio do Nat com o Oscar Moore também é minha maior referência em termos de arranjos e o motivo que faço minha gig sem bateria. Descobri o trabalho do trio doJohn Pizzarelli pouco depois do meu contato com o Nat King Cole, e ironicamente, com o segundo disco dele de tributo ao trio do NKC, chamado P.S Mr. Cole. Foi muito legal perceber como um outro músico poderia, com muita propriedade, dar sua cara à músicas tão icônicas pra mim. Ouvi muito John Pizzarelli, em especial os CDs de tributo ao Nat e o Live at Birdland. Eu fiquei muito impressionado com o timbre da guitarra dele e passei a pesquisar em como conseguir aquele som claro que ele herdou do pai. Com o passar dos anos, o John Pizzarelli e seu irmão Martin, em especial, se tornaram grandes incentivadores. Devo muito a eles por terem sido generosos comigo e sempre se colocarem à disposição.

Ricardo Baldacci
Foto de divulgação por Dani Gurgel

Rodrigo Chenta- Os arranjos dos dois álbuns que lançou são bastante econômicos e os improvisos objetivos. Conte como foi a pré-produção destes trabalhos gravados?
RB-
Na verdade, creio que a estética do Swing Jazz deve privilegiar um jeito de tocar que a canção se sobressaia e isto fica evidente nos dois álbuns. Existe um definição de papéis clara sobre o que voz, guitarra, baixo e piano devem fazer. Guitarra toca 3a., 7a. ou 6a. , baixo se encarrega da tônica ou quinta, piano toca onde não está a melodia da voz. Isto funciona pacas para dar um senso de respiração e ‘groove’, onde todo mundo se escuta.
Acho que o CD ‘Tain’t What You Do‘ tem grandes sacadas de arranjo, há adaptações de orquestra do Billy May em All I need is the Girl e do Jimmy Lunceford em ‘Tain’t What You Do’, uma mistura de Nelson Riddlecom Bucky Pizzarelli em ‘Come Fly With Me’. ‘It’s only a Paper Moon’‘ e ‘Is you is or is you ain’t my baby‘ que carregam muitas referências dos arranjos do NKC Trio. Neste disco, quase todas as músicas têm alguma coisa a dizer em termos de arranjos. Não houve pré-produção formal para o CD ‘Tain’t ‘. Eu já havia feito estes arranjos há um tempo, e estávamos tocando eles havia um ano nos shows. Ensaiamos duas vezes em casa antes de gravar 19 faixas que acabei preferindo deixar em 15 no final.
O CD Brothers in Swing é um disco muito mais direto ao assunto. Escrevi uma ou outra ideia de introdução e ‘shout chorus’ e fui gravar. A pré-produção foi só a de levar as cifras no estúdio para o Martin, Bucky e Konrad lerem. O repertório e arranjos foram escolhidos e feitos nos dois dias de gravação. Aqui o grande destaque é o balanço do disco, que tem swing a cada nota. Este é o meu CD favorito da carreira do Martin Pizzarelli. Ele fez chover neste trabalho.
Agora, a respeito dos solos, a ideia é nunca cansar o ouvinte e sim entreter no contexto da música, sem se perder. Solos coesos devem ter começo, meio e fim.

Rodrigo Chenta- O timbre da tua guitarra tem uma sonoridade acústica muito peculiar nos dois CDs. Como foi a captação do som do teu instrumento nestas gravações?
RB-
A guitarra foi captada por microfones no amplificador, nela mesmo e direct box. O que garante o bom som acústico é a construção da guitarra sem laminados.

Rodrigo Chenta- O disco “Tain’t what you do, its the way that you do it” teve a participação do grupo sueco The Hebbe sisters. Como foram os arranjos das composições gravadas?
RB-
Quando estava quase entrando no estúdio, pensei em incluir uma participação especial, seria muito bacana se fosse possível fazer com as Hebbe Sisters. Eu as havia conhecido alguns meses antes quando fora a Suécia com o meu trio tocar no Festival de Herrang. Escrevi para a Emilie Hebbe, sobre a minha ideia e ela me disse quais seções das músicas gostariam de fazer a parte delas, assim eu entrei no estúdio mais ou menos sabendo o que iria acontecer. Gravamos duas versões de cada música, uma que teria a participação delas e outra não. No final, mandei os arquivos, a Emilie se encarregou de fazer os arranjos para a Maria e a Josefine cantarem junto e gravaram. Elas são verdadeiramente incríveis. As faixas que escolhemos fazer foram as que tinham mais a cara do trio do Nat King Cole o que foi muito bacana. Estas músicas acabaram soando como se o NKC Trio encontrasse as Andrew Sisters.

“Meu interesse pelo Swing-Jazz surgiu na infância de modo inconsciente, creio.”

Rodrigo Chenta- O álbum “Brothers in swing” tem a participação e é um tributo aos músicos da família Pizzarelli. Fale sobre a produção deste trabalho.
RB-
Este disco é a prova que a vida pode nos trazer coisas boas quando menos esperamos. Eu tenho muito a agradecer aos Pizzarellis, em especial ao Martin Pizzarelli. Em 2014, fui convidado pelo baterista Lenny White, que ocupava a função de diretor artístico do Made in NY Jazz Competition, para tocar no Tribecca Arts Center neste evento super bacana, foi a minha primeira viagem aos EUA. Fui com alguns dias de folga para conhecer o Bucky Pizzarelli, porque o Martin havia me dito que seria legal conhece-lo pessoalmente. Visitei-o em sua casa em Nova Jersey e ele foi super receptivo, como seria com qualquer outra pessoa. No nosso encontro, o Bucky percebeu que eu tinha estudado jazz, usando a musica dele como referência. Depois, em NYC, acabamos nos encontrando novamente em um dos seus shows. No final da apresentação ele saiu dizendo pra todo mundo que eu era um guitarrista deswing jazz de 7 cordas do Brasil. Parece que algo chamou atenção dele. Em 2011, quando procurei alguém para mixar o Hello, Mr. Cole, o Martin me indicou o engenheiro de som que estava trabalhando com a família há tempos, o Bill Moss. Ele acabou fazendo as mixes e as masters de todos os meus trabalhos desde então. Pois bem, ainda nesta viagem em 2014, conheci o Bill pessoalmente. Entre as muitas histórias fantásticas que ele me contou sobre os seus anos de experiência gravando alguns dos meus discos favoritos, comentei que adoraria viver parte daquilo, que gostaria de gravar com os meus ídolos. Ele disse que isto sim, seria possível.
No final de 2014, minha esposa e eu havíamos programado uma viagem que não se concretizou por conta de um problema de saúde em nossa família. No começo de 2015, iríamos perder as milhas e uma ida à Nova Iorque pareceu interessante, por causa do preço (o inverno estava muito severo e as passagens estavam bem mais baratas), assim, para não perder a viagem, literalmente, planejamos ir pra lá. Como quem não quer nada, entrei em contato com o Bill, e disse que iria a NY, em fevereiro, perguntando sobre a possibilidade de gravar um disco com o Martin Pizzarelli, o Bucky Pizzarelli e um outro pianista da escolha deles. Bill demorou para me responder algumas semanas, mas quando o fez, passou o orçamento completo com as datas do estúdio.
Escolhi algumas músicas, formalizei uns arranjos, com intro, outro e shout chorus e fui pra lá. No final das contas, o Martin acabou escolhendo muito do que foi gravado no disco e participou bastante nos arranjos. O Bill escolheu um pequeno estúdio no Queen chamado Samurai Hotel, que estava ficando bem popular entre o pessoal de jazz em NY. O próprio Freddie Cole já havia gravado lá pouco antes da gravação deste disco.
O Bucky participou do primeiro dia de gravações e fez 10 faixas conosco. O restante das musicas foram gravadas no segundo. Foi uma tremenda honra, poder visita-lo novamente, ouvir suas historias e fazer parte da sua música. Bucky tinha 89 quando gravou, hoje tem 90 anos e este é possivelmente seu último disco. Konrad Paszkudzki, o pianista, foi emprestado gentilmente pelo John Pizzarelli, para este projeto. Além de ser um tremendo músico um jovem talento reverenciado por Wynton Marsallis, é um grande cavalheiro e tem um super astral. Foi uma experiência ímpar.

Ricardo Baldacci - Master of space and time
capa CD Brothers in Swing

“… a estética do Swing Jazz deve privilegiar um jeito de tocar que a canção se sobressaia …”

Rodrigo Chenta- Tocar com duas guitarras acústicas exige uma atenção especial pelo fato de serem instrumentos de mesma tessitura e timbre. Quais foram os cuidados para este CD?
RB-
O único cuidado que tivemos foi o de evitar fazer a mesma figura rítmica simultaneamente nos acompanhamentos.

Rodrigo Chenta- Fale sobre a gravação do DVD “Hello, Mr Cole” em tributo ao Nat King Cole gravado com o seu respectivo trio.
RB-
Este tributo, na verdade, teve, em primeiro lugar, um propósito de ser apenas um material de divulgação do meu trabalho para contratação de gigs. Eu havia feito uma permuta com um amigo para tocar no casamento dele e pedi que gravassem alguns vídeos pra mim. Fomos ao Espaço Cachueira e gravamos estes 10 vídeos em duas horas. Como o resultado ficou bacana, acabei entrando em contato com o Martin Pizzarelli e ele indicou o Bill Moss para mixagem. Muito da minha historia, aconteceu por conta destes vídeos.

Rodrigo Chenta- Em relação às guitarras archtop construídas em linha de produção, quais são os mais corriqueiros problemas que elas possuem quando comparadas com os instrumentos artesanais?
RB-
Não tenho nada contra instrumentos archtop produzidos em linha, o que me preocupa mais é a falta de controle de qualidade. Assim como um bom controle de qualidade pode permitir que o instrumento saia bem legal, a ausência dele, pode fazer com que praticamente, absolutamente qualquer tipo de problema possa acontecer. Não há como prever. As marcas mais tradicionais que trabalham com preço mais barato, muitas vezes possuem boa construção e controle de qualidade, mas têm projetos que contam com o uso de laminados pesados para o tampo, desta maneira, o som acústico fica muito prejudicado.

Rodrigo Chenta- Um instrumento feito à mão demora muito mais tempo do que um fabricado em série. O que acontece de mais comum no desenvolvimento artesanal que pode aumentar o prazo de entrega?
RB-
Fazer o tampo, fundos e lateral corretamente, esperar o processo de binding, tudo demora um pouco mais. Conferir tudo de maneira adequada. A pressa é inimiga da perfeição nestes casos. Sem contar que se é um projeto novo, a coisa muda de figura e há um tempo de aprendizado e experimentação.

Rodrigo Chenta- Pensando especificamente em capotrastes (nuts), qual seria a diferença entre os que são fabricados com materiais como plástico, osso, madeira e metal? Eles interferem no timbre?
RB-
Praticamente todas as peças, com a modificação de seus materiais interferem no timbre do instrumento. Algumas mais, outras menos. Quanto mais duro o material, menos do timbre que ressoa no corpo de madeira você vai ter. Por outro lado, haverá menos desgaste e o instrumento será mais estável. Pouco se usa de madeira por conta da durabilidade, apesar de ser popular em violinos. Plásticos se tornaram uma alternativa mais barata e resistente ao nut de osso. Os puristas ainda defendem o osso como a solução de melhor timbre. O metal é o mais duro de todos e o mais extremo, pouco é usado em archtops.
Ainda assim, acho que a preocupação a respeito da diferença de timbre do nut, menos relevante quando comparada a escolha dos materiais e tipo de construção do tampo, fundos, lados, ponte e tailpiece.

Ricardo Baldacci
Show no Rio Verde por Rodrigo Lopes

“Quanto mais duro o material, menos do timbre que ressoa no corpo de madeira você vai ter.”

Rodrigo Chenta- Existem pessoas que pensam na relação de uma réplica de instrumento comparando-a com uma leve pirataria. O que pensa a este respeito?
RB-
Na verdade, eu nunca pensei a respeito disso. Respeito a opinião de quem quer que seja e acredito que há demanda para certos tipos de produtos por razões diversas. Certas pessoas são atraídas pela marca, outras pelo som. Eu nunca vi, por exemplo, as Gibson Ch, nunca as testei. Alguns dizem que são boas, outros, dizem que são ruins. Na minha cabeça só existem dois tipos de instrumentos: os bons e os ruins, sem pensar na marca.
No mundo das archtops, por herança do que acontecia no violino com projetos parecidos, determinou-se que o formato do headstock seria o que iria identificar qual era a marca, e veja que realmente há muitos detalhes para se acertar num bom instrumento. Antigamente e ainda hoje, tirando a marca, apenas por um simples olhar, era/é muito difícil dizer o que é uma Buscarinno, Benedetto, D’Angelico, D’Aquistto. Por isso prefiro ter cuidado com radicalismos.
Só de pensar no trabalho maravilhoso que marcas como Tokai, Grecco e Ibanez fizeram ao longo dos anos, empresas que foram processadas por pirataria e fizeram grandes instrumentos …
Realmente, prefiro apenas me ater aos comentários de instrumentos que gosto ou não para o meu uso.

Rodrigo Chenta- Existem luthieres que usam gabarito para tudo e aqueles que utilizam o famoso olhômetro. Como você vê essa relação dual?
RB-
Mais uma vez, o que penso é: o instrumento é bom? Quem sou eu pra julgar.

Rodrigo Chenta- Com o monopólio dos importadores e distribuidores de peças para instrumentos musicais parece que a cada dia no Brasil piora o acesso e encarecem os produtos. Fale sobre a dificuldade de conseguir o hardware para a construção de instrumentos.
RB-
Gostaria de fazer uma breve declaração. Eu, na verdade, não tenho o que pode ser chamado de um negócio com as minhas guitarras. Ajudei a alguns músicos a ter bons instrumentos, com o meu conhecimento, mas não posso mesmo dizer que vivo disso. Sou um músico apenas. Minha dificuldade maior nas guitarras se deve ao câmbio e a arbitrariedade na tributação de produtos pelos “órgãos competentes”, uma vez que compro direto, de fora do país. Isto encarece muito o custo do instrumento, prolonga o prazo de entrega e me faz perder a esperança. Eu havia parado com as guitarras até o Lupa Santiago insistir muito para que eu fizesse mais uma para ele.
Além disso, já vi muita coisa de ‘entendidos’ de me fazer perder a cabeça. Teve até luthier aclamado, mas aparentemente sem experiência em ”handcarved’ furando uma guitarra de cliente, com ‘X bracing’ pra colocar um classic 57 da Gibson entre outras pequenas pérolas.

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Texto original:

http://www.informacaomusical.com/entrevista-ricardo-baldacci

 

 

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